segunda-feira, 1 de maio de 2017

Tratado - Dia #22L - 2ª Semana


CAPÍTULO SEXTO 

FIGURA BÍBLICA DESTA PERFEITA DEVOÇÃO: 

REBECA E JACÓ 

183. De todas as verdades que acabo de escrever, em relação
à Santíssima Virgem e a Seus filhos e servos, dá-nos o
Espírito Santo, na Sagrada Escritura, uma imagem admirável:
a história de Jacó, que recebeu a benção de seu pai Isaac,
devido aos cuidados e diligências de sua mãe Rebeca. Ei-la,
como a narra o Espírito Santo (Gn 27). Depois acrescentarei a
sua explicação.

Artigo Primeiro 

Rebeca e Jacó 

I. História Bíblica 

184. Esaú tinha vendido o direito de primogenitura a seu 
irmão Jacó (Gn 25, 33). Vários anos mais tarde, Rebeca, mãe
dos dois irmãos, que amava ternamente Jacó, assegurou-lhe
esta primazia por meio dum santo expediente, todo cheio de
mistérios. Isaac, sentindo-se muito velho, quis abençoar os
seus filhos antes de morrer. Chamou então Esaú, o filho que
amava, e ordenou-lhe que fosse caçar alguma coisa para ele
comer a fim de em seguida lhe dar a sua benção. Rebeca avisou
imediatamente Jacó do que se passava e mandou-o buscar
dois cabritos do rebanho. Logo que este os entregou à sua
mãe, ela preparou deles, para Isaac, o que sabia que ele gostava.

Vestiu Jacó com as roupas de Esaú, que ela guardava.

Cobriu-lhe as mãos e o pescoço com a pele dos cabritos, para
que o pai, que era cego, julgasse, pela pele da mão, que era
Esaú, embora ouvisse a voz de Jacó. Efetivamente Isaac, surpreendido
ao ouvir-lhe a voz, que julgou ser a de Jacó, mandou-o aproximar-se. Tendo-lhe apalpado as mãos cobertas de
pele, disse que, na verdade, a voz era de Jacó, mas que as
mãos eram de Esaú. Depois de ter comido e de ter aspirado,
ao beijar o filho, o aroma do seu vestido perfumado, abençoou-o, desejando-lhe o orvalho do Céu e a fecundidade da
Terra. Estabeleceu-o senhor de todos os seus bens, e concluiu
a benção por estas palavras: “Aquele que te amaldiçoar,
seja também maldito, e o que te abençoar seja cumulado
de bênçãos” (Gn 27, 29).

Mal Isaac terminara de pronunciar estas palavras, entrou
Esaú trazendo já preparado o que tinha apanhado na caça,
para que o pai o abençoasse em seguida. Este Santo Patriarca
ficou tomado de extrema surpresa, ao compreender o que se
tinha passado. Mas, longe de retratar o que fizera, confirmouo,
pois reconhecia neste proceder, claramente, o dedo de Deus.

Então, Esaú irrompeu em grandes brados, como nota a Escritura,
e, vociferando contra a fraude do irmão, perguntou ao
pai se tinha só uma benção. Notam neste ponto os Santos Padres
que Esaú é a imagem daqueles que, conciliando facilmente
Deus com o mundo, querem gozar ao mesmo tempo as
consolações do Céu e da Terra. Isaac, movido pelos gritos de
Esaú, abençoou-o por fim, mas com uma benção terrena, e
submetendo-o ao irmão. Concebeu Esaú, por isso, ódio tão
profundo contra Jacó, que, para matá-lo, só esperava pela
morte do pai. E Jacó não teria podido evitar a morte, se Rebeca,
sua querida mãe, o não tivesse salvado pelas diligências e
pelos bons conselhos que lhe deu, os quais ele seguiu com
fidelidade.

II. Explicação da História

185. Antes de explicar esta história, tão cheia de beleza, é
preciso notar que, segundo todos os Santos Padres e intérpretes
da Sagrada Escritura, Jacó representa Jesus Cristo e os
predestinados, enquanto Esaú figura os réprobos. Basta examinar
o procedimento dum e doutro para verificá-lo.

Esaú, figura dos réprobos 

1) Esaú, o primogênito, era forte e robusto de corpo,
destro e hábil no manejo do arco e na arte da caça.

2) Quase não parava em casa e, confiando apenas na
sua força e engenho, trabalhava sempre fora.

3) Não se esforçava muito por agradar a Rebeca, sua
mãe, e não fazia nada por ela.

4) Era tão guloso, e apreciava tanto a comida, que vendeu
o direito de primogenitura por um prato de lentilhas.

5) Como Caim, era muito invejoso de seu irmão Jacó,
que encarniçadamente perseguia (Gn 4, 8).

186. Eis a conduta diária dos réprobos:

1) Fiam-se na sua força e diligências para os negócios
temporais. São muito fortes, muito hábeis e esclarecidos para
as coisas da Terra, mas muito fracos e ignorantes nas coisas
do Céu.

187. 2) Por isso: Nunca ou quase nunca permanecem em
sua casa, ou seja, no seu íntimo (Mt 6, 6). O íntimo é a casa
interior e essencial que Deus deu a cada homem para que, a
seu exemplo, nela habite, pois Deus permanece sempre em si
mesmo. Os réprobos não amam o recolhimento, nem a
espiritualidade, nem a devoção interior, e têm por espíritos
fracos, piegas e selvagens os que são interiores e retirados do
mundo, e que trabalham mais interior que exteriormente.

188. 3) Os réprobos pouco se preocupam com a Devoção à
Santíssima Virgem, Mãe dos predestinados. É verdade que
não a odeiam formalmente. Algumas vezes tributam-lhe louvores,
dizem que a amam, e praticam até alguma devoção em
sua honra. Mas, de resto, não suportariam que alguém a amasse
ternamente, porque não têm para com Ela as ternuras de Jacó.

Acham sempre algo a dizer contra as práticas de devoção a
que se entregam fielmente os bons filhos e servos de Maria,
para merecer o seu afeto. Não julgam esta Devoção necessária
para a salvação, e acham que basta não odiar formalmente
a Santíssima Virgem e não desprezar abertamente a sua Devoção.

Julgam ter ganhado a estima da Santíssima Virgem e
ser Seus servos só por rezar ou resmungar algumas orações
em sua honra, sem ternura para com Ela e sem correção da
própria vida.

189. 4) Estes réprobos vendem o seu direito de
primogenitura, isto é, os gozos do paraíso, por um prato de
lentilhas, que são os prazeres da Terra. Riem, bebem, divertem-se, jogam, dançam etc, sem se preocuparem, como Esaú,
de se tornar dignos das bênçãos do Pai celeste. Numa palavra,
só pensam na Terra, só amam a Terra, só falam e agem
para a Terra e seus gozos, vendendo por um breve momento
de prazer, por uma vã fumaça de honra e um pedaço de Terra
dura, amarela ou branca, a graça batismal, a veste da sua inocência,
a sua herança celeste.

190. 5) Enfim, os réprobos odeiam e perseguem continuamente
os predestinados, aberta ou disfarçadamente. Molestam-nos, desprezam-nos, criticam-nos, contrariam-nos, injuriam-nos, roubam-nos, enganam-nos, empobrecem-nos,
escorraçam-nos, e reduzem-nos a pó. Quanto a eles, fazem
fortuna, buscam os seus deleites, vivem alegremente, enriquecem,
engrandecem-se e levam vida folgada.


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