terça-feira, 25 de abril de 2017

Tratado - Dia #16L - 1ª Semana


CAPÍTULO QUINTO 

MOTIVOS QUE NOS DEVEM FAZER ABRAÇAR ESTA DEVOÇÃO 

Artigo Primeiro 

Esta Devoção nos consagra inteiramente ao Serviço de Deus 

135. Primeiro motivo, que nos mostra a excelência desta
consagração de si mesmo a Jesus Cristo pelas mãos de Maria.

Na Terra não se pode conceber ofício mais elevado que
o serviço de Deus, e o menor dos servos de Deus é mais rico,
mais poderoso e mais nobre que todos os reis e imperadores
do mundo, se estes não servem a Deus. Então, quais não serão
as riquezas, o poder e a dignidade do fiel e perfeito servo
de Deus, que se dedique inteiramente ao seu serviço, sem reservas,
tanto quanto possível! Tal é o fiel e amoroso escravo
de Jesus por Maria, que entregou-se todo ao serviço deste Rei
dos reis pelas mãos da sua Santa Mãe, e nada reservou para
si: todo o ouro da Terra e as belezas do Céu são insuficientes
para o pagar.

136. As outras congregações, associações e confrarias
erigidas em honra de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, que
fazem grande bem para o Cristianismo, não nos levam a dar
tudo sem reserva. Apenas prescrevem aos seus associados a
obrigação de certas práticas e ações, mas deixam-lhes livres
todos os outros atos e momentos da vida. Mas esta Devoção
de que falamos faz-nos dar incondicionalmente a Jesus e a
Maria todos os pensamentos, palavras, ações, sofrimentos e
instantes da nossa vida: assim, quer velemos, quer durmamos,
quer bebamos ou comamos, quer façamos grandes ou
pequeninas coisas, poderemos sempre dizer que tudo o que
fazemos, embora nisso não pensemos, pertence a Jesus e a
Maria em virtude do nosso oferecimento (1 Cor 10, 31), a não
ser que o tenhamos expressamente revogado. Que consolação!

137. Além disso, como já ficou dito, não há nenhuma outra
prática que nos liberte mais facilmente dum certo espírito de
propriedade que penetra imperceptivelmente nas melhores
ações. O nosso bom Jesus concede esta grande graça em recompensa
do ato heróico e desinteressado que se fez, àquele
que, pelas mãos de sua Mãe, cedeu-lhe todo o valor das boas
obras. Se Ele dá cem por um, mesmo neste mundo (Mt 19,
29), àqueles que por seu amor deixam os bens exteriores, temporais,
perecedouros, que recompensa não dará àqueles que
lhe sacrificarem mesmo seus bens interiores e espirituais?!

138. Jesus, o nosso grande amigo, deu-se-nos sem reserva,
corpo e alma, virtudes, graças e méritos: “Ele ganhou-me todo,
dando-se todo a mim”, diz São Bernardo. Não é um dever de
justiça e de reconhecimento que lhe demos tudo o que nos for
possível dar? Ele foi o primeiro a ser liberal para conosco. Sejamo-lo também para com Ele, e o veremos cada vez ainda mais
liberal, durante a nossa vida, na hora da morte e por toda a eternidade:
“Ele será generoso para com aqueles que são generosos
para com Ele” (Sl 17, 26).


Artigo Segundo 

Esta Devoção nos faz imitar o exemplo dado por Jesus Cristo e por Deus mesmo, e praticar a humildade 

139. Segundo motivo, que nos mostra ser justo, em si mesmo,
e vantajoso para o cristão o consagrar-se inteiramente a
Maria Santíssima com esta prática, com o fim de ser consagrado mais perfeitamente a Jesus Cristo.

Este bom Mestre não recusou encerrar-se no seio da
Santíssima Virgem como um cativo e escravo de amor, nem
ser-lhe submisso e obedecer-lhe durante trinta anos. E aqui,
repito, que o espírito humano se perde, ao refletir seriamente
sobre esta maneira de proceder da Sabedoria Encarnada. Embora
o pudesse fazer, não quis dar-se diretamente aos homens,
mas fê-lo pela Virgem Santíssima. Não quis vir ao mundo na
idade de homem perfeito, independente de outrem, mas antes
como uma pobre e pequenina criança, dependente dos cuidados
e sustento de sua Mãe. Esta Sabedoria Infinita, que tinha
um desejo imenso de glorificar a Deus, seu Pai, e de salvar os
homens, não achou meio mais perfeito nem mais rápido para
o fazer do que submeter-se à Santíssima Virgem. E era uma
submissão em todas as coisas, não somente durante os oito,
dez ou quinze primeiros anos da sua vida, como as outras
crianças, mas durante trinta anos. E deu mais glória a seu Pai
durante esse tempo de sujeição e dependência da Virgem
Santíssima, do que lhe teria dado empregando esses trinta
anos a fazer prodígios, a pregar por toda a Terra, a converter
todos os homens, do contrário, Ele o teria feito. Oh! Como
glorifica altamente a Deus quem se submete a Maria, seguindo
o exemplo de Jesus!

Tendo diante dos olhos um exemplo tão visível e conhecido
de todos, seremos tão insensatos para julgar possível
encontrar um meio mais perfeito e mais direto de glorificar a
Deus, do que a sua submissão a Maria, a exemplo de seu Divino
Filho?

140. Recorde-se aqui, como prova da dependência que devemos
ter para com a Mãe de Deus, o que acima disse (nn. 14-39), apontando os exemplos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo nos dão da sujeição que devemos à Santíssima Virgem.

O Pai não deu nem dá seu Filho senão por Ela, não suscita
novos filhos senão por Ela, e não comunica as suas graças
senão por Ela. Deus Filho não foi formado para todos em
geral senão por Ela; não é formado e gerado todos os dias
(nas almas), em união com o Espírito Santo, e não comunica
os Seus méritos e virtudes, a não ser por Ela. O Espírito Santo
não formou Jesus Cristo senão por meio d'Ela, e não forma
os membros do seu Corpo Místico, a não ser por Ela; não
dispensa os Seus dons e favores senão por Ela. Poderemos,
sem uma extrema cegueira, depois de tantos e tão insistentes
exemplos da Santíssima Trindade, passar sem Maria, não nos
consagrar a Ela e nem depender d'Ela para irmos a Deus e nos
sacrificarmos a Deus?

141. Eis algumas passagens dos Padres, que escolhi para
provar o que acabo de dizer:
“Maria tem dois filhos, um Homem-Deus e o outro
homem puro. Do primeiro é Mãe corporalmente e do segundo
espiritualmente” (São Boaventura e Orígenes).

“Esta é a vontade de Deus, que quis recebêssemos tudo
por Maria. Se, pois, temos alguma esperança, alguma graça,
algum dom salutar, saibamos que nos vem d'Ela” (São
Bernardo).

“Todos os dons, virtudes e graças do Espírito Santo
são distribuídos pelas mãos de Maria, a quem Ela quer, quando,
como e na medida que Ela quer” (São Bernardino).

“Porque eras indigno de receber as graças divinas,
elas foram dadas a Maria, a fim de que recebas por Ela tudo
o que venhas a possuir” (São Bernardo).

142. Deus - como diz São Bernardo - vendo que somos indignos de receber as graças diretamente das suas mãos, dá-as
a Maria, a fim de que por Ela recebamos tudo o que Ele nos
quis dar. E Deus encontra também a sua glória em receber,
pelas mãos de Maria, o reconhecimento, o respeito e o amor
que lhe devemos pelos Seus benefícios. É, pois, muito justo,
que imitemos o procedimento de Deus, “para que a graça
regresse ao seu Autor pelo mesmo canal por onde veio”, segundo
o mesmo São Bernardo.

É precisamente o que fazemos por esta Devoção: oferecemos
e consagramos tudo o que somos e tudo o que possuímos
à Santíssima Virgem, para que Nosso Senhor receba
por seu intermédio a glória e o reconhecimento que lhe devemos.

Reconhecemo-nos indignos e incapazes de nos abeirarmos
da sua Majestade infinita só por nós mesmos, e por isso
servimo-nos da intercessão da Santíssima Virgem.

143. Além disso, trata-se aqui de um ato de profunda humildade,
virtude que Deus ama acima de todas as outras. Uma
alma que se eleva, rebaixa a Deus; uma alma que se humilha,
eleva a Deus (Jo 3, 30). Deus resiste aos soberbos e dá a sua
graça aos humildes (Tg 4, 6). Se nos humilharmos, julgandonos
indignos de comparecer perante Deus e de nos aproximar
dEle, Deus desce, abaixa-se para vir a nós, para se comprazer
em nós e nos elevar, apesar da nossa miséria. Mas, pelo contrário,
quando alguém se aproxima ousadamente de Deus, sem
querer medianeiros, Deus esquiva-se, e não podemos chegar
até Ele. Oh! Como Ele ama a humildade de coração! É a tal
humildade que leva a prática desta Devoção, pois ensina a
nunca nos aproximarmos de Nosso Senhor por nós mesmos,
por mais doce e misericordioso que Ele seja, mas a servir-nos
sempre da intercessão de Maria, para comparecer diante de
Deus, seja para lhe falar, seja para simplesmente estreitar a
proximidade, seja para lhe oferecer alguma coisa, seja para
unir-nos e consagrar-nos a Ele.



Nenhum comentário:

Postar um comentário