terça-feira, 18 de abril de 2017

Tratado - Dia #09L - 12 dias preliminares


9º dia 

Artigo Segundo 

Pertencemos a Jesus e a Maria na qualidade de Escravos 

68. Segunda Verdade. Devemos concluir do que Jesus Cristo 
é para nós, que - como diz São Paulo - não somos nossos, 
mas inteiramente d'Ele, como Seus membros e escravos, comprados 
pelo preço infinitamente caro de todo o seu sangue (1 Cor 6, 19-20).  
Antes do Batismo pertencíamos ao diabo como 
seus escravos. 

Ao receber este sacramento, tornamo-nos verdadeiros 
escravos de Jesus Cristo. Doravante já não devemos viver,  
trabalhar e morrer senão para este Homem-Deus (Rm 7, 4), 
glorificando-o em nosso corpo (Rm 12, 1) e fazendo-o reinar 
em nossa alma. Somos, pois sua conquista, seu povo de aquisição 
e sua herança. É pela mesma razão que o Espírito Santo 
nos compara:  

- Às árvores plantadas ao longo das águas da graça, no 
campo da Igreja, e que devem dar frutos a seu tempo (Sl 1, 3).

- Aos ramos duma vinha de que Jesus é a cepa, e que 
devem dar boas uvas (Jo 15, 5).

- A um rebanho de que Jesus Cristo é o pastor, e que se 
deve multiplicar e dar leite (Jo 10, 1).

- A uma boa terra de que Deus é o agricultor, e na qual 
a semente se multiplica, produzindo trinta, sessenta ou cem 
por um (Mt 13, 3-8). 

Jesus Cristo amaldiçoou a figueira estéril e condenou 
o servo inútil, que não tinha feito render o seu talento (Mt 21,19; Mt 25, 24-30). Tudo isto prova que Jesus Cristo quer receber 
algum fruto das nossas pobres pessoas, a saber: as nossas 
obras, porque estas só a Ele pertencem: “Criados para as 
boas obras em Cristo Jesus” (Ef 2, 10). 

Mostram estas palavras do Espírito Santo que Jesus Cristo é 
o único princípio e deve ser o fim último de todas as nossas 
boas obras. Mostram ainda que o devemos servir, não somente 
como servos assalariados, mas como escravos de amor. 
Explico-me. 

69. Neste mundo, há duas maneiras de pertencer a outra 
pessoa e de depender da sua autoridade: a simples servidão e 
a escravidão, que fazem dum homem, respectivamente, um 
servo ou um escravo. Pela servidão, comum entre os cristãos, 
um homem compromete-se a servir outro durante um certo 
tempo, mediante determinada paga ou certa recompensa. Pela 
escravidão, um homem depende inteiramente de outro, por 
toda a vida, e deve servir o seu senhor sem pretender paga 
nem recompensa alguma, como um dos seus animais, sobre o 
qual o dono tem direito de vida e de morte. 

70. Há três espécies de escravidão: uma natural, outra forçada 
e outra voluntária. Todas as criaturas são escravas de 
Deus da primeira forma: “Ao Senhor pertence a Terra e tudo 
o que nela está contido” (Sl 23, 1). Os demônios e os réprobos 
pertencem à segunda categoria, os justos e os santos à 
terceira. A escravidão voluntária é mais perfeita e mais gloriosa 
para Deus, que olha ao coração, que pede o coração, 
que se chama o Deus dos corações (I Sm 16, 7; Sl 72, 26; Pr 23, 26), ou da vontade amorosa. Por esta escravidão, de fato, 
escolhe-se Deus e o seu serviço acima de todas as coisas, ainda 
mesmo que a natureza não obrigasse a isso. 

71. Há diferenças radicais entre um servo e um escravo: 

1º. Um servo não dá ao seu senhor tudo o que é nem 
tudo o que possui, nem tudo o que pode adquirir por si mesmo 
ou por outro. Mas o escravo dá-se inteiramente, com tudo 
o que possui ou pode vir a adquirir, sem exceção alguma. 

2º. O servo exige a paga dos serviços que presta ao 
senhor, enquanto o escravo nada pode exigir, por maior que 
seja a sua aplicação, a sua habilidade, e a força com que trabalha. 

3º. O servo pode deixar o senhor quando quiser ou, 
pelo menos, quando tiver expirado o tempo do serviço, mas o 
escravo não tem o direito de fazer isso.  

4º. O senhor do servo não tem sobre ele nenhum direito  
de vida e de morte, e se o matasse - como a um dos seus 
animais de carga - cometeria um homicídio injusto. Ao contrário, 
o senhor do escravo tem, por lei, direito de vida e de 
morte sobre ele, de modo que o pode vender a quem quiser, 
ou matar, como faria ao seu cavalo. 

5º. Finalmente, o servo está só por algum tempo ao 
serviço dum senhor, mas o escravo, para sempre. 

72. Nada há, entre os homens, que mais nos faça pertencer 
a outrem do que a escravidão. Do mesmo modo nada há entre 
os cristãos que nos faça pertencer mais absolutamente a Jesus 
Cristo e à sua Santa Mãe do que a escravidão voluntária. Isto 
é conforme o exemplo do próprio Jesus, que tomou a forma 
de escravo por nosso amor (Fl 2, 7), e da Santíssima Virgem 
que se disse serva e escrava do senhor (Lc 1, 38). O Apóstolo 
chama-se, com certa ufania, “servo de Cristo” (Rm 1, 1; Gl 1, 10; (Fl 1,1; Tt 1,1). Por várias vezes os cristãos são chamados, 
na Sagrada Escritura, de “servos de Cristo”. Segundo a 
justa observação de um grande homem, a palavra servo significava 
outrora apenas escravo porque ainda não havia servos 
como os de hoje. Os senhores só eram servidos por escravos 
ou libertos. O Catecismo do Concílio de Trento, para que não 
reste dúvida alguma sobre a nossa condição de escravos de 
Jesus Cristo, exprime-se por um termo que não se presta a 
equívocos, chamando-nos “escravos de Cristo”. 

73. Posto isto, digo que devemos ser de Jesus Cristo e servilo, 
não só como mercenários, mas como escravos amorosos. 
Estes, por efeito de um grande amor, entregam-se e dão-se ao 
seu serviço, na qualidade de escravos, só pela honra de lhe pertencer. 
Antes do Batismo éramos escravos do demônio. Tornounos 
o Batismo escravos de Jesus Cristo (Rm 6, 22). Portanto, os 
cristãos têm de ser escravos ou do demônio ou de Jesus Cristo. 

74. O que digo de modo absoluto a respeito de Jesus Cristo, 
digo-o relativamente da Santíssima Virgem. Jesus Cristo 
escolheu-a por companheira indissolúvel da sua vida, da sua 
morte, da sua glória e poder no Céu e na Terra. Por isso e por 
graça deu-lhe, em relação à sua Majestade, todos os mesmos 
direitos e privilégios que Ele possui por natureza: “Tudo o 
que convém a Deus por natureza, dizem os santos, convém a 
Maria por graça...”. Deste modo, segundo este ensinamento, 
têm ambos os mesmos súditos, servos e escravos, visto que os 
dois não têm senão uma só vontade e um só poder. 

75. Podemos, portanto, segundo o parecer dos santos e de 
vários homens ilustres, dizer-nos e fazer-nos escravos amorosos 
da Santíssima Virgem, para deste modo sermos mais 
perfeitamente escravos de Jesus Cristo. A Virgem é o meio de 
que nosso Senhor se serviu para vir a nós; é também o meio 
de que nos devemos servir para ir a Ele. Pois Ela não é como 
as outras criaturas que, se a elas nos prendêssemos, nos poderiam  
afastar de Deus em lugar de nos aproximar d'Ele. Mas a 
mais forte inclinação de Maria é unir-nos a Jesus seu Filho, 
e a mais forte inclinação do Filho é que se vá a Ele por sua 
Mãe. Isto honra-o e agrada-lhe tanto como honraria e agradaria 
a um rei alguém que, para se tornar mais perfeitamente 
seu vassalo e escravo, se fizesse escravo da rainha. É por isso 
que os Santos Padres, e São Boaventura com eles, dizem que 
“a Virgem Santíssima é o caminho para ir a Nosso Senhor”. 

76. Além disso, se, como já disse, a Santíssima Virgem é a 
rainha e soberana do Céu e da Terra, não tem Ela tantos súditos 
e escravos quantas são as criaturas? Dizem-no Santo 
Anselmo, São Bernardino e São Boaventura: “Ao poder de 
Deus tudo está submisso, mesmo a Virgem, e eis que ao poder 
da Virgem está tudo submisso, até o próprio Deus”. Não será 
razoável que entre tantos escravos por força os haja também 
por amor, que de boa vontade e na qualidade de escravos escolham 
Maria por sua soberana? O quê?! Os homens e os 
demônios têm seus escravos voluntários e Maria não os há de 
ter? Um rei terá a peito que a rainha, sua companheira, possua 
escravos, com direito de vida e de morte sobre eles, porque 
a honra e o poder do rei são a honra e o poder da rainha. 

Pode-se então acreditar que Nosso Senhor, que partilhou, como 
o melhor dos filhos, todo o poder com sua Santa Mãe, ache 
mal que Ela tenha escravos? Terá Ele menos respeito e amor 
à sua Mãe do que teve Assuero a Ester e Salomão a Betsabé? 
Quem ousaria dizê-lo ou pensá-lo sequer? 

77. Mas onde me leva a minha pena? Por que é que me 
detenho aqui em provar uma coisa tão evidente? Se não querem 
que alguém se diga escravo da Santíssima Virgem, que 
importa? Que se faça e se diga escravo de Jesus Cristo! É o 
mesmo que sê-lo da Santíssima Virgem, visto que Jesus é o 
fruto e a glória de Maria. Faz-se isto de maneira perfeita por 
meio da Devoção de que mais adiante falaremos. 

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