domingo, 30 de abril de 2017

Tratado - Dia #21L - 2ª Semana


Artigo Oitavo 

Esta Devoção é um meio admirável de perseverança 

173. Oitavo motivo. Enfim, o que de certo modo nos impelirá
mais fortemente ainda para esta Devoção à Santíssima
Virgem é ser ela o meio admirável para perseverarmos na virtude
e sermos fiéis. Por que é que a maior parte das conversões
dos pecadores não são duradouras? Por que recaem eles
tão facilmente no pecado? Por que é que a maior parte dos
justos, em vez de ir de virtude em virtude e de alcançar novas
graças, perdem muitas vezes as poucas virtudes e graças que
possuem? Esta desgraça provém, como já acima mostrei (nn.
87-89), de que estando o homem tão corrompido, tão fraco e
inconstante, se fia em si próprio, se apóia nas suas próprias
forças e se julga capaz de guardar o tesouro das suas graças,
virtudes e méritos.

Por meio desta Devoção, confiamos à Santíssima Virgem
- e sabemos como Ela é fiel - tudo o que possuímos.

Tomamo-la como depositária universal de todos os nossos
bens da natureza e da graça. Confiamo-nos à sua fidelidade,
apoiamo-nos no seu poder e fundamo-nos na sua misericórdia
e caridade, a fim de que conserve e aumente as nossas
virtudes e méritos, apesar dos esforços que o demônio, o
mundo e a carne fazem para no-los roubar. Dizemos-lhe como
um bom filho à sua mãe e um fiel servo à sua senhora:
“Guardai o meu depósito!” (1 Tm 6, 20). Minha boa Mãe e
Senhora, reconheço que, por Vossa intercessão, recebi até hoje
mais graças de Deus do que merecia. A minha triste experiência
me ensina que trago este tesouro num vaso muito frágil, e
que sou demasiado fraco e miserável para o conservar em
mim: “Sou novo e desprezado” (Sl 118, 141). Recebei, por
favor, em depósito, tudo quanto possuo, e conservai-mo por
Vossa fidelidade e poder. Se me guardardes, nada perderei; se
me sustentardes, não hei de cair; se me protegerdes, estarei
ao abrigo dos meus inimigos.

174. É o que diz São Bernardo, em termos formais, para nos
inculcar esta prática: “Quando Ela vos sustém, não caís, quando
vos protege, nada temeis; quando vos conduz, não vos
cansais; quando vos é favorável, chegais ao porto da salvação.”

São Boaventura parece dizer-nos a mesma coisa em
termos ainda mais formais: “A Santíssima Virgem, diz ele, não
é apenas detida na plenitude dos santos, mas Ela retém e
guarda os santos na plenitude deles, para que esta não diminua.

Impede que as suas virtudes se dissipem, que os seus
méritos pereçam, que se percam as suas graças, e que os demônios
lhes façam mal. Enfim, impede que Nosso Senhor os
castigue quando pecam.”

175. A Virgem Santíssima é a Virgem Fiel que, pela sua fidelidade
a Deus, repara as perdas causadas pela infiel Eva
por sua infidelidade. Obtém de Deus a fidelidade e a perseverança
para todos os que se lhe dedicam, pelo que um santo a
compara a uma âncora firme, que os retém e impede de naufragar
no meio do mar agitado deste mundo, onde tantos perecem
por se não segurarem a esta âncora sólida. “Nós ligamos
as almas à Vossa esperança, como a uma âncora firme”
(São Boaventura).

Foi a Ela que os santos que se salvaram mais se amarraram
e mais amarraram os outros, para perseverar na virtude.

Felizes, pois, mil vezes felizes os cristãos que agora se
agarram fiel e inteiramente a Maria, como a uma âncora firme.

As investidas das tempestades deste mundo não os farão
soçobrar, nem perder os seus tesouros celestes.

Felizes os que se acolhem a Ela, como à arca de Noé!

As águas do dilúvio do pecado, que afogam a tantos, não os
prejudicarão, porque, repete a Santíssima Virgem com a Sabedoria:
“Aqueles que em mim trabalham na sua salvação,
não pecarão” (Eclo 24, 30).

Felizes os pobres filhos da infeliz Eva, que se ligam à
Mãe e Virgem Fiel, que sempre permanece fiel e nunca se
desmente: “Ela permanece fiel, não podendo negar-se a si
mesma” (2 Tm 2, 13). Ela ama sempre os que a amam (Pr 8,
17), com um amor não apenas afetivo, mas efetivo e eficaz,
porque os impede, por meio de graças abundantes, de recuar na
virtude, ou de cair no caminho, perdendo a graça de seu Filho.

176. Esta boa Mãe recebe sempre, por pura caridade, tudo o
que lhe damos em depósito. E, uma vez que o recebeu como
depositária, é obrigada em justiça a no-lo guardar, em virtude
do contrato de depósito. Do mesmo modo que uma pessoa, a
quem eu tivesse confiado mil moedas de ouro, seria obrigada
a guardá-las, e se, por negligência, viesse a perdê-las, em boa
justiça seria Ela a responsável. Mas não, nunca a fiel Maria
deixará perder, por negligência, o que lhe tiver sido confiado.

Seria mais fácil passarem o Céu e a Terra do que Ela ser negligente
e infiel para com os que n'Ela confiam.

177. Ó pobres filhos de Maria, a vossa fraqueza é extrema,
grande a vossa inconstância e bem corrompida a vossa natureza.

Fostes tirados, é certo, do mesmo barro corrompido que
os filhos de Adão e Eva. Mas não desanimeis por isso.

Consolai-vos e alegrai-vos! Eis que vos ensino este segredo
desconhecido da maioria dos cristãos, até mesmo dos mais
piedosos.

Não guardeis o vosso ouro e a vossa prata nos vossos
cofres, já forçados pelo espírito maligno que vos roubou. Eles
são pequenos, velhos e fracos demais para guardar tão grande
e precioso tesouro. Não ponhais a água pura e cristalina
da fonte nos vossos vasos estragados e infectados pelo pecado.

Se o pecado já não existe em vós, ficou pelo menos o seu
odor e a água se contaminará. Não deiteis os vossos vinhos
finos em vossos tonéis velhos, que já foram cheios de mau
vinho; ficariam estragados e em perigo de se perderem.

178. Embora me compreendais, almas predestinadas, quero
falar mais claramente.

Não confieis o ouro da vossa caridade, a prata da vossa
pureza, as águas das graças celestiais e o vinho dos vossos
méritos e virtudes a um saco roto, a um cofre velho e
arrombado, a uma vasilha estragada e contaminada como
sois vós. Do contrário sereis roubados pelos ladrões, isto é,
pelos demônios, que procuram e espiam noite e dia o tempo
propício para o fazer. Do contrário, estragareis, pelo mau
odor do vosso amor próprio, da confiança em vós mesmos e
da vossa própria vontade, tudo o que de mais puro Deus vos dá.

Colocai, lançai no seio e no Coração de Maria todos
os vossos tesouros, todas as vossas graças e virtudes. Ela é
vaso espiritual, vaso honorífico, vaso insigne de devoção. Depois
que o próprio Deus se encerrou neste vaso, com todas as
suas perfeições, tornou-se todo espiritual e fez-se a morada
das almas mais espirituais. Tornou-se honorífico, e trono de
honra dos maiores príncipes da eternidade. Tornou-se insigne
em devoção, e a morada das mais ilustres em doçura, em
graças e virtudes. Enfim, tornou-se rico como uma Casa de Ouro,
forte como a Torre de Davi e puro como uma Torre de Marfim.

179. Ah! Como é feliz aquele que deu tudo a Maria, que se
confia e abandona, em tudo e por tudo, em Maria! É todo
d'Ela e Ela é toda d'Ele. Pode dizer ousadamente com Davi:
“Maria foi feita para mim” (Sl 118, 56); ou com o discípulo
amado: “Recebi-a como toda a minha riqueza” (Jo 19, 27);
ou com Jesus Cristo: “Tudo o que é meu é teu, e tudo o que é
teu é meu” (Jo 17, 10).

180. Se, ao ler isto, algum crítico imaginar que falo com
exagero e levado por devoção desmedida, pobre dele! Não
me compreende, ou porque é um homem carnal, que não entende
as coisas do espírito, ou porque pertence ao mundo e
não pode receber o Espírito Santo, ou porque é orgulhoso e
crítico, e condena ou despreza tudo o que não percebe. Mas
as almas que não nasceram do sangue, nem da vontade da
carne, nem da vontade do homem, mas de Deus e de Maria,
essas compreendem-me e apreciam, e é para elas que eu escrevo (Jo 1, 13).

181. No entanto, retorno à matéria interrompida, dizendo a
uns e a outros que Maria Santíssima é a mais honesta e liberal
de todas as simples criaturas. Nunca se deixa vencer em amor
e liberalidade; em troca de um ovo, diz um santo homem, Ela
dá um boi; quer dizer, por pouco que se lhe der, Ela dá muito
mais daquilo que recebeu de Deus. Se, pois, uma alma se lhe
entrega sem reservas, Ela também se lhe dá toda, contanto
que a alma ponha n'Ela, sem presunção, toda a sua confiança,
trabalhando, por sua vez, em adquirir as virtudes e em vencer
as suas paixões.

182. Que os fiéis servos da Santíssima Virgem digam, portanto,
com a ousadia de São João Damasceno: “Tenho confiança
em Vós, ó Mãe de Deus, serei salvo. Tendo a Vossa proteção,
nada temerei. Com o Vosso socorro combaterei e porei
em debandada os meus inimigos: porque a Vossa Devoção é
uma arma de salvação que Deus dá aos que quer salvar!”


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